A pitangueira e o ambiente urbano

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Laís

Matéria publicada pela revista Nossa UENF. Ano7-N3- Junho/Maio – 2024

Uma pesquisa conduzida pelo Laboratório de Biologia Celular e Tecidual (LBCT) do Centro de Biociências e Biotecnologia (CBB) da UENF revelou que as pitangueiras — árvores cujas folhas são tradicionalmente usadas na medicina popular para fazer chá — podem acumular níveis elevados de compostos tóxicos, como bário e chumbo, quando localizadas em ambientes urbanos. Esses níveis, conforme observado, podem alcançar concentrações acima do recomendado para consumo pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

O estudo foi publicado como artigo científico online em 2021 e posteriormente em uma edição de 2023 da revista científica Trees: Structure and Function. O título do artigo é “Chemical and cytotoxical changes in leaves of Eugenia unifora L., a medicinal plant growing in the fourth largest urban centre of Latin America”.

A pesquisa é fruto do doutorado de Laís Bezerra, realizado entre 2016 e 2021 no Programa de Pós-Graduação em Biologia Vegetal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), sob a orientação da professora e diretora do LBCT, Maura Da Cunha, e coorientação da professora Cátia Callado, também da Uerj.

No contexto da medicina popular, as folhas de pitangueira são utilizadas em banhos para tratar febres, em chás para combater diarreias persistentes, em gargarejos para infecções de garganta e como remédio contra reumatismo e gota. Contudo, a pesquisa destaca a importância de se atentar ao local de cultivo dessas plantas.

“A OMS estabelece limites máximos permitidos para metais tóxicos em plantas medicinais. Para o chumbo (Pb), esse limite é de 10 μg/g (microgramas por grama), que foi exatamente a concentração de Pb encontrada em amostras de folhas colhidas em áreas urbanas neste estudo. Um dos principais fatores que contribuíram para essa contaminação foi a proximidade com rodovias de intenso tráfego”, explica a pesquisadora.

Laís Bezerra ressalta que, apesar de ser comum a crença de que plantas, por serem naturais, não são prejudiciais, a pesquisa mostra que essa percepção nem sempre é verdadeira. Mesmo que a planta pareça saudável, ela pode estar contaminada pela poluição local.

“Observamos que o extrato feito com folhas de plantas em ambiente urbano foi tóxico, o que levanta um alerta sobre o uso medicinal das folhas de pitangueira nessas condições. É crucial ter cuidado com a área de coleta”, enfatiza Laís.

O estudo sublinha a necessidade de investigações mais amplas sobre os desafios enfrentados por plantas medicinais cultivadas em áreas urbanas, como nas margens da Avenida Brasil, nas proximidades da Fiocruz, em Manguinhos, onde a pesquisa foi conduzida.

“Os resultados obtidos nesse estudo podem fornecer subsídios para a criação de políticas públicas que assegurem o uso seguro da pitangueira para fins medicinais. Além disso, o trabalho também serve como incentivo para a realização de novas pesquisas na área, abrangendo outras espécies além da pitangueira”, destaca Laís.

A pesquisa revela que as plantas podem atuar como filtros biológicos, absorvendo grandes quantidades de poluentes do ambiente. Em ambos os locais de estudo, foram detectados 19 elementos químicos nas amostras de solo e 15 nas amostras de folhas, com variações nas concentrações de alguns deles, dependendo do local.

No sítio urbano, por exemplo, os elementos cálcio (Ca) e chumbo (Pb) apresentaram maior concentração tanto nas amostras de solo quanto nas de folhas. O cloro (Cl) foi amplamente distribuído nas folhas, apresentando concentração quase duas vezes maior nas plantas do sítio urbano. O cloro é um dos principais resíduos tóxicos gasosos liberados em processos industriais.

Segundo os autores, a maior concentração de cálcio nas folhas do sítio urbano pode estar relacionada à alta concentração deste elemento no solo local. A estratégia da planta para se defender foi acumular o cálcio em forma de cristais. O cálcio é comumente encontrado no material particulado emitido na atmosfera por canteiros de obras, prática comum na região onde o sítio urbano está localizado. Esse dado é preocupante, pois o consumo de oxalato de cálcio pode causar complicações à saúde humana.

O chumbo (Pb) é um metal pesado não essencial às plantas e sem função nos processos metabólicos delas, mas é facilmente absorvido e acumulado em diversas partes dos vegetais. A deposição atmosférica constitui uma das principais vias de absorção de Pb pelas plantas.

Com base nesses dados, a equipe elaborou um vídeo apresentando parte dos resultados, disponível no YouTube: clique AQUI para assistir.

O artigo conta com a coautoria dos pesquisadores Cátia Callado, Thaís de Vasconcellos, Thaís Nogueira, Ramon dos Santos, Davyson Moreira, José Carlos de Mattos, Marcelino Anjos, Marcos Murata, e Maura Da Cunha, coordenadora do estudo e supervisora de pós-doutorado de Laís Bezerra.

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